quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Embora já fosse um bocado tarde, o Ernie's estava entupido de gente. Na maioria eram esses palhações das universidades. Em quase todas as drogas dos colégios do mundo as férias de Natal começam antes do que nos colégios em que eu estou. A gente quase não podia pendurar o sobretudo, de tão cheio. Mas era um silêncio danado, porque o Ernie estava tocando. Parecia que era um troço sagrado, no duro, a hora em que ele sentava para tocar. Ninguém pode ser tão bom assim. Ao meu lado estavam três casais, esperando vagar mesa, e ficaram todos na ponta dos pés, se empurrando, só para dar uma olhada no Ernie, enquanto ele tocava. Tinha um baita espelho em frente do piano e um refletor bem em cima do Ernie, para que todo mundo pudesse ver a cara dele enquanto tocava. Não dava para ver os dedos, só a droga da cara do safado. Grande coisa. Não sei direito o nome da música que ele estava tocando quando entrei, mas só sei que ele estava esculhambando mesmo o troço pra valer. Dando uma porção de floreios imbecis nos agudos e outras palhaçadas que me aporrinham pra chuchu. Mas valia a pena ver os idiotas quando ele acabou. Era de vomitar. Entraram em órbita, igualzinho aos imbecis que riem como umas hienas, no cinema, das coisas sem graça. Juro por Deus que, se eu fosse um pianista, ou um autor, ou coisa que o valha, e todos aqueles bobalhões me achassem fabuloso, ia ter raiva de viver. Não ia querer nem que me aplaudissem. As pessoas sempre batem palmas pelas coisas erradas. Se eu fosse pianista, ia tocar dentro de um armário. Seja como for, na hora que ele acabou e todo mundo estava aplaudindo como uns alucinados, o safado do Ernie deu uma volta no banquinho e fez uma reverência fingida, bancando o humilde. Como se, além de ser um pianista bom pra burro, fosse também um sujeito um bocado humilde. Era um troço cretino pra diabo aquilo dele ser metido a besta e tudo. Mas, de um jeito meio engraçado, senti pena dele quando acabou a música. Acho que ele nem sabe mais quando está tocando bem ou não. A culpa não é toda dele. Em parte, os culpados são aqueles bobalhões que batem palmas como uns alucinados: eles são capazes de enganar qualquer um, se tiverem uma chance. De qualquer maneira, o troço me fez sentir deprimido e podre outra vez, e quase apanhei meu casaco e voltei para o hotel, mas era cedo demais e eu não estava com muita vontade de ficar sozinho."

-O Apanhador no campo de Centeio - J.D. Salinger

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