quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Mensagem em uma Garrafa

Ato I  - Empatia

Sinto que venho sendo injusto.
Quando criança sempre tive facilidade para o intuitivo e para o sentimental. Conseguia com uma tremenda facilidade entender as pessoas. Sentir o que elas sentiam.
Em contra partida, o lógico, o simples, o trivial. Nunca me veio fácil.
Sempre tive a sensação de que todos conheciam algo que eu não sabia.
Que o que me parecia sempre novidade, era algo que todos ja conheciam há muito tempo.
Sempre me senti um passo atrás, menos humano.
De tempos em tempos me via em situações onde pessoas cobravam-me algo que eu nunca recebi. Algo que eu nunca aprendi. Algo que eu nunca vivenciei.
Não sei se foi algum erro na educação, algum retardo mental ou o destino drummondriano que me afetou desse jeito.
Esse sentimento de desespero era ampliado, pelo desespero do mundo.
Que eu sentia, a cada pessoa, a cada nova vida. Que me olhava nos olhos, no fundo do meu ser.
E eu conseguia sentir. O desprezo, as expectativas, o amor sufocante, os desejos, os desesperos.
Tudo me vinha. E tudo eu sentia.
Essa faca de dois gumes foi o que sempre me aprisionou.
Tive que seletivar amigos, pois não aguentava sentir.
Esgotavam-me facil, a cada encontro, a cada conversa.
E eu queria ajudar, queria ser o motivo da alegria de alguem, curar todas as dores do mundo, ser o eixo que não quebra, que não entorta, que nunca sai fora do tom.
Aos poucos esses sentimentos me invadiam e me inundavam.
Aos poucos, não reconhecia mais quais eram os meus e quais eram os do mundo.
E eu cometi muitos erros, machuquei muitas pessoas sem necessidade, tudo por querer ser tudo pra todos. Ser o imbatível, o inabalável, o coringa da carta de baralho.
E eu fui me perdendo.
E eu fui enlouquecendo.

Ato II - A torre fulminada

Tranquei-me emocionalmente. Fechei-me numa torre perdida, no alto da colina de rosas vermelhas.
Passei a viver e refletir, e a conhecer o mundo. Observava de longe os passageiros. Trocava cartas, Mensagens em garrafas. Cantigas de roda.
Aprendi muito sobre o mundo olhando aqui de cima. Via as pessoas se divertindo, passando. Sempre tão facil, sempre tão normal.
Ao mesmo tempo em que esperava.
O que? Nunca soube.
Com o tempo as pessoas se perguntaram quem era o garoto preso no alto da torre.
Alguns até tentaram escalar e descobrir.
Mas a torre parecia crescer a cada metro subido.
O destino parecia rir das esperanças do menino.
E o menino começou a aceitar isso, e a deixar-se enganar pela escuridão que aos poucos parecia penetrar naquela torre.
Não havia companhia. Não havia corpo quente. Não havia proximidade.
A simples espera de algo impossivel, improvavel, inexistente.
Uma morte lenta parecia mais provavel.
Foi pouco a pouco fechando seu contato com a esperança.
Mas as dores do mundo continuavam.
Penetravam pelos raios de sol de cada fresta de cada janela.
De cada buraco por dentre as pedras.
A familia, os amigos com quem convivia, e o proprio reflexo no espelho,
pareciam enforca-lo.
Ele queria sair, fugir, conhecer coisas novas.
Não aguentava mais. Não sabia mais quem era.
Perdera sua identidade em indagações e esqueceu que a vida era algo mais.
E as dores desse menino, eu sentia como se fossem minhas.
Como se me torturassem toda a noite antes de dormir.
E eu não pude mais aguentar.
Escalei novamente aquela torre.
Aquela torre que sempre me pareceu cada vez mais distante.
Subi o maximo que pude. Subi o infinito e finalmente cheguei no topo para salva-lo.
E quando finalmente me dei por mim, estava sozinho no topo da torre olhando para meu proprio reflexo.
A imagem do menino cuja identidade se perdeu em algum momento dessa história.
E um raio partiu essa torre ao meio. E tanto eu quanto esse reflexo caimos.
Indefinitamente. No amago desse universo.
Estilhaçaram-se no chão e só um se levantou.

Ato III - Signo de Gemeos.

As dores ampliadas da queda me ajudaram a reconstruir meu ser. Eu senti uma dor que era tão minha, quanto do mundo. E isso me era ampliado indefinidamente.
Aos poucos aprendi a filtrar. O que era meu e o que me era alheio.
Tive que cortar relação com o mundo para conseguir isso.
E me pus a andar. Caminhei por caminhos tortuosos, que levavam a lugar algum.
Conheci pessoas de perto. Precisei de pessoas. Precisei de carinho.
Aos poucos passei a não me importar.
As dores do mundo que tanto me assolavam pareciam diminuir até se tornarem insignificantes.
Tornei-me um tanto quanto niilista.
Mas pelo menos algo estava acontecendo.
Sentia o crescimento acontecendo.
Quanto mais conhecia o mundo, mais o mundo entrava em mim.
E eu passei a entender o mundo como um todo,
Passei a desvendar os misterios, e achar respostas.
Fui pra outro país. Fui pra outra linguagem. Fui pra outro mundo.
E o que encontrei foi novamente a sensação de atraso.
De que os anos que passei naquela torre, ocasionaram a perda de grande parte da minha vida.
Novamente as pessoas pareciam dez até quinze passos à frente.
E eu sinto a ansiedade tomar conta de mim.
Novamente me sinto julgado, por ser algo diferente, por ser alguem diferente.
Sinto que não importa o quanto você corra, o mundo sempre vai esperar mais de você.
Sempre vai te puxar pra frente até você quebrar.
Vai te atropelar como uma roda que não pode ser parada.
E eu decidi marcar o passo. Correr.
Sinto que estive sendo injusto por muito tempo.


Ato IV - Revelação, Karma e Decisões
(Antes que se passe um segundo, você terá morrido cem mil vezes)

Essa injustiça é uma traição. Minha para com as pessoas que um dia chamei de amigo.
Como sempre fui de sentir o coração das pessoas. Aprendi a manipular certos acontecimentos para conseguir um pouco de paz, um pouco de ar para respirar. Sentia-me o vilão dos quadrinhos, com uma mentalidade diabólica. Sentia-me egoista por não conseguir ser a altura dos sentimentos do mundo. Das expectativas. Dos amores. Do status quo. Como se sempre estivesse à beira de decepcionar alguém pelo simples fato de existir. E de mentir. E de tentar ser o que as pessoas queriam que eu fosse. Por isso sempre foi dificil viver em sociedade. Por que socializar era mentir. Era sempre estar atento. Era não deixar transparecer. Era sempre estar a beira de ter que fugir caso tudo explodisse.
Ao escrever essas palavras, até me assusto com o quanto elas traduzem o meu eu. O quanto elas traduzem diversos episodios da minha vida.
E acho que preciso começar a correr, para alcançar o que ainda me parece tão longe.
O que parece simples para todos, mas pra mim ainda é complicado.
O que eu cismo em deixar me enforcar.
E o primeiro passo é assumir a verdade.
A verdade que até tentei dizer um dia na calada da noite, de madrugada.
E a verdade, mesmo que simples, é essa.
Sou gay.
Incontestavelmente homossexual.
...

E de repende as palavras me faltam para continuar.
O que nunca estive preparado para. O que sempre me deu medo.
A verdade que tira meu mundo dos eixos.
Enfim, deixarei por aqui essa mensagem perdida nessa garrafa ilusória.
Que os bons ventos a levem...




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

OH my heart

“Sometimes I’m terrified of my heart; of its constant hunger for whatever it is it wants. The way it stops and starts.”


Preso num labirinto a-dimensional. Sem saber que porta abrir. O caminho some debaixo dos meus pés. Nao sei pra onde quero ir, pra onde estou indo, de onde vim.  Estou a me perder em questionamentos sem finalidade. Estou a me perder em afirmações segregadas. 
Nao sei o que sinto. 
O que sinto vem, passa, fica, volta, some, desaparece. 
E eu começo a me perguntar o quanto algo pode realmente durar?
O quanto vai valer? 
Haverá algo que será permanente? 
Ou estou fadado a esse passar, esse nunca descer em nenhum ponto. 
Por nunca parecer perto o suficiente de casa.
Nao sei o que sinto. Se sinto. Se imagino ou se crio enquanto entediado.
Amo o que não é. O que nunca será. O que nunca nem poderia ser. 
Amo o que me falta, o que não está na minha frente, mas no fundo do copo de bebida. 
Procuro insolentemente e grito pra todos os lados com razão.
Mas a razão me some, a vontade de gritar me some, 
E tudo isso implode dentro de meu peito, 
E eu canso. De viver, de morrer, de existir.
Sinto um estranho dentro de mim, que todo dia muda de face, muda de voz, muda de ideia.
E sussura no meu ouvido frases que nunca quero ouvir, que sempre quero ouvir, que nao sei de onde surgem. 
Frases que já ouvi, que ja disse, que simplesmente criei.
Eu estou perdido. Achado. Acorrentado num barco sem rumo. Sem vento. Sem cais. 
A vida me passa, em quadros emoldurados que ja nao pareço conhecer.
Pessoas me surpreendem e logo após me aborrecem.
Minha paciencia se vai junto com minha capacidade de ser surpreendido.
Nada novo ai. 
A palavra do ano é: Falta de
Muita coisa mudou, e eu vejo isso como avanço.
Avanço pra onde? Ainda não sei.
Mas nao quero voltar. 
Ainda não ao menos. 
Sinto que existe uma nova sala, novas portas, novos quadros, 
prontos para serem emoldurados.
Quero que tudo queime. Tudo que nao me faz bem, nunca me fez, nunca me fará.
Quero o sol, a lua, em trigono com o horizonte.
Quero uma nova velha vida, que nao se cansa de desaparecer por entre meu toque. 
Quero algo que dure. Que perdure. Que sobreviva.
Algo que eu nao consiga matar e que nao me mate com o tempo.
Que de dor e alegria já vivi até demais.
Quero algo maior. 
Quero certezas, quero o divino.
Quero apostar todas as cartas, jogar outro jogo. 
Mudar os jogadores.
Chega de jogar. 
Chega de ter esperanças.
Aderi ao diabo do meu ombro, 
enquanto o anjo-peste, que nunca me larga, dorme