quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Doença

Quando eu era somente um doente, a vida era mais fácil. Podia fantasiar-me de doutor e fingir diagnosticar os pacientes. Quando eu não estava são, era mais fácil. Vestir-me de bobo da corte, e brincar com as ironias da vida. Buscar o riso das pessoas. Buscar as situações fora o comum. Fazer por um momento a vida se tornar extraordinária e mágica.
Quando eu era doente. Era mais simples. Podia simplesmente culpar minha nobre doença. Podia julgar o mundo e ser absolvido pelos meus mau-hábitos.
Quando eu era doente, todos do salão me ouviam. Eu fazia sentido. As pessoas aplaudiam.
Era algo de se admirar. De se viver em paz. De nada sério.
Mas quando eu bebi aquela poção.
Com o tempo.
A doença sumiu.
Hoje sou doutor.
Hoje eu falo as mesmas coisas. Mas ninguém me ouve. Hoje eu brinco de bobo, mas ninguém me leva a sério. Eu procuro falar tanto quanto antes, mas as pessoas me condenam de insanidade.
Quando me curei. Quando finalmente vi a luz. As pessoas não me acompanharam.
Hoje vago pelo salão e as pessoas me viram o rosto.
Hoje as pessoas se afastam quando me escutam falar.
Hoje a vida extraordinária é chata e conspícua. Nada se faz novo.
Qualquer pergunta, antes dada como sábia, tornou-se supérflua.
De repente os meus companheiros me abandonaram.
Na minha solidão procuro aos poucos curar alguém.
Tratar aos poucos meus pacientes.
Tem muitos deles ultimamente.
Uns que vem de jaleco branco.
Uns que me forçam a tomar as opiniões deles por injeções.
Mal sabem eles, que não precisam disso.
Que eu aceitaria de bom grado, se me dessem a chance de falar.
Falar o quanto eu quisesse.
O quanto eu precisasse.
Arrancasse do peito todas as minhas duvidas.
E somente por um segundo alguém compartilhasse das mesmas perguntas.
E melhor ainda, uma resposta que finalmente me sacie.
Mas não.
Não é essa a realidade do mundo.
A realidade do mundo é esse calmante.
Essa camisa de força.
Que insistem em me fazer usar.
Aos poucos o efeito se misturam com meu mundo disforme.
Não reconheço mais minhas verdades.
Não consigo mais ficar doente.
Nesse sanatório que me prenderam sem me perguntar nada.
Só me resta dormir...

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